Vamos estudar a primeira modalidade de prisão cautelar!
Prisão em flagrante
a) Flagrante= do latim flagrare (queimar) e flagrans, flagrantis (ardente, brilhante). No dicionário comum=acalorado, evidente, visível, manifesto. É uma qualidade do delito, daquele que está sendo cometido, que autoriza a prisão do autor mesmo sem ordem do juiz. Trata-se de um sistema de autodefesa da sociedade, para cessar a prática delituosa e a perturbação da ordem jurídica. Natureza jurídica=A prisão em flagrante é um ato administrativo, medida cautelar de segregação provisória do autor da infração penal de natureza processual expressamente prevista na CF. Artigo 5º inciso LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei
a1) Flagrante próprio (real)=artigo 302, incisos I e II, do CPP. Se considera em flagrante delito quem está cometendo a infração penal ou quem acaba de cometê-la.
a2) Flagrante impróprio (quase-flagrante)=artigo 302, inciso III do CPP. Quem é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por outra pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração. Logo após=prudente critério do juiz em cada caso concreto. A perseguição não pode sofrer solução de continuidade, mas também se considera como perseguição as situações do artigo 290, § 1º , letras “a” e “b” do CPP (encalço fictício) . Se não houve perseguição logo após o delito, é ilegal a prisão em flagrante depois de vários dias, no dia seguinte ou mesmo algumas horas após o crime
a3) Flagrante presumido (ficto)=artigo 302, inciso IV do CPP. Quem é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. A pessoa não é perseguida, é encontrada. Tem se interpretado o logo depois como algo mais prolongado que o logo após, já se tendo considerado várias horas ou mesmo o dia seguinte.
b) Flagrante em crime permanente. Artigo 303 do CPP. A consumação ocorre com uma única ação, mas o resultado se prolonga no tempo. Exemplos: seqüestro, ocultação de cadáver, depósito de droga etc. A prisão em flagrante pode ocorrer a qualquer momento, posto que o crime está se consumando continuamente.
c) Flagrante em crime habitual. Crime habitual é aquele que não se consuma em apenas um ato, exigindo uma sequência de ações para que se perfaça o tipo penal. Exemplo: curandeirismo (artigo 284, CP). Parte da doutrina entende que não é possível a prisão em flagrante, pois quando a polícia prende o agente, está surpreendendo-o em um único ato e o crime considerado habitual não se consuma com uma só ação, exigindo, ao contrário, pluralidade de atos. Outra parte entende que é possível a prisão em flagrante quando o agente for surpreendido na prática de um dos atos que compõem a conduta delituosa, havendo, porém, prova inequívoca de atos anteriores.
d) Flagrante em crime de ação privada e de ação pública condicionada=a prisão deve ser ratificada pela vítima no prazo da nota de culpa (24 horas)
e) Autoridade competente para a lavratura do auto de prisão em flagrante. A autoridade policial do local onde for realizada a prisão, o qual não será, necessariamente, a do lugar em que foi perpetrada a infração penal. Artigo 290, CPP. Lavratura do auto de prisão em flagrante pelo juiz ou outras autoridades. Artigo 307, CPP. Quando o fato for praticado em presença da autoridade, ou contra esta, no exercício de suas funções, constarão do auto a narração deste fato, a voz de prisão, as declarações que fizer o preso e os depoimentos das testemunhas, sendo tudo assinado pela autoridade, pelo preso e pelas testemunhas e remetido imediatamente ao juiz a quem couber tomar conhecimento do fato delituoso, se não o for a autoridade que houver presidido o auto.
f) Flagrante preparado ou provocado e flagrante esperado. Súmula 145 do STF. Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação. O agente é induzido à prática do crime pela polícia ou por terceiro. A doutrina considera hipótese de crime impossível. Damásio E. de Jesus denomina a situação de delito putativo por obra de agente provocador. Exemplo: policial disfarçado, com inúmeros outros igualmente camuflados, exige relógio de alto valor da via pública, aguardando que alguém tente furtá-lo ou assaltá-lo. Apontada a arma para a pessoa que serve de isca, os demais policiais prendem o agente. Inexiste crime, pois impossível sua consumação. Flagrante esperado: no flagrante esperado a atividade da polícia é apenas de alerta, procurando prender o agente ao executar a infração, frustrando sua consumação. Não há controle da ação do agente criminoso. Exemplo: obtida a informação, via interceptação telefônica autorizada pelo juiz, de que haverá o roubo do banco, a polícia se posta de modo a tentar impedir a prática do crime e a prender os criminosos.
g) Flagrante forjado= criação de provas de um crime inexistente
h) Flagrante retardado, diferido ou prorrogado=ação controlada. Artigo 2º, inciso II da Lei do Crime Organizado (Lei n. 9.034/95) e artigo 53, inciso II da Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006)
i) Sujeitos do flagrante. Sujeito ativo=qualquer do povo poderá (flagrante facultativo) e as autoridades policiais e seus agentes deverão (flagrante compulsório) prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. Artigo 301 do CPP. Sujeito passivo: qualquer pessoa pode ser presa em flagrante, exceto: 1) criança: menor de doze anos, não está sujeito à privação de liberdade em decorrência de ato infracional. Deve ser apresentado ao Conselho Tutelar ou à Justiça da Infância e da Juventude para aplicação da medida de proteção que se fizer adequada (artigos 101 a 105, ECA); 2) adolescente (doze anos de idade completos a dezoito anos incompletos): é possível sua apreensão em flagrante por ato infracional, caso em que deverá ser apresentado à autoridade policial, onde, ouvido, será imediatamente liberado ou apresentado ao MP no prazo máximo de vinte e quatro horas. Tomadas as suas declarações pelo Promotor de Justiça, este promoverá o arquivamento do expediente policial, concederá remissão ao infrator ou oferecerá representação, procedendo, em qualquer caso, a liberação do adolescente, salvo, na última hipótese, se entender deva ele ser internado provisoriamente, o que deverá ser requerido ao juiz no mesmo dia da apresentação (artigos 171 a 190, ECA); 3) diplomatas estrangeiros, previsto em tratado ou convenção internacional (artigo 1º, inciso I, do CPP). A Convenção de Viena de 1961, ratificada pelo Brasil, prevê a absoluta inviolabilidade a todos os agentes diplomáticos, bem como aos seus entes familiares e funcionários das organizações internacionais em atividade. A imunidade também é aplicada extensivamente aos chefes de Estado em passagem por países estrangeiros. A imunidade dos cônsules é restrita, referindo-se somente aos atos praticados no âmbito de suas atividades funcionais; 4) o Presidente da República somente pode ser preso pela prática de crime comum após sentença condenatória (artigo 86, § 3º da CF); 5) quem presta pronto e integral socorro à vítima de delito de trânsito (artigo 301 do CTB); 6) o autor do fato considerado crime de menor potencial ofensivo, quando, após a lavratura do termo circunstanciado, for imediatamente encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer (artigo 69, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95). 7) Indivíduo flagrado na posse de drogas para consumo pessoal (artigo 28 da Lei 11.343/2006). É uma infração penal que não prevê uma pena privativa de liberdade. Não pode haver prisão em flagrante (artigo 48, § 2º da Lei de Drogas), mesmo que o agente se recuse a comparecer a juízo ou não assumir o compromisso de fazê-lo. Podem ser autuados em flagrante delito apenas nos crimes inafiançáveis (são afiançáveis as contravenções penais, os crimes apenados com detenção e os crimes apenados com reclusão cuja pena mínima cominada não seja superior a dois anos): 1) os membros do Congresso Nacional (artigo 53, § 2º da CF); 2) Deputados Estaduais (artigo 27, § 1º, CF); 3) os magistrados (artigo 33, inciso II, da LOMAN); 4) os membros do MP (artigo 40, inciso III, da LONMP); 5) os advogados, por motivo de exercício da profissão (artigo 7º, § 3º do Estatuto da OAB). Apresentação espontânea. O STF e o STJ entendem que não cabe prisão em flagrante por apresentação espontânea, situação em que o próprio agente apresenta-se perante a autoridade policial logo após o delito. Governador do Estado: não há previsão na Constituição Federal de que não possa ser preso provisoriamente, mas algumas Constituições Estaduais previram esta possibilidade, como a Constituição do Estado de São Paulo. O STF considerou inconstitucional tal dispositivo da Carta Paulista, todavia, o STJ tem entendido que os Governadores do Estado tem a mesma prerrogativa do Presidente da República, no tocante à prisão, pelo princípio da simetria.
j) O CPP não prevê prazo para a lavratura do auto de prisão em flagrante, mas o entendimento é de que ele deve ser lavrado imediatamente, ou, então, no prazo máximo de vinte e quatro horas. Artigo 5º, inciso LXII da CF - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada
k) Na Justiça Federal, além da comunicação da prisão ao juiz, a autoridade policial deverá remeter, em vinte e quatro horas, cópia do auto de prisão em flagrante ao procurador da república que funcionar junto ao juiz competente para o procedimento criminal (artigo 67 da Lei n. 5.010/66)
l) Se o preso não informar o nome de seu advogado, a autoridade policial deverá encaminhar cópia integral do auto de prisão em flagrante à Defensoria Pública. Artigo 306, § 1º do CPP
m) A lavratura do auto pressupõe a prova da materialidade e indícios mínimos de autoria
n) Procedimento de lavratura do auto de prisão em flagrante. A autoridade ouve primeiro o condutor (quem conduziu o preso a sua presença) e depois as testemunhas, em termos próprios, mas que fazem parte integrante do auto. Na ausência de testemunhas, assinarão pelo menos duas pessoas que tenham visto a apresentação do preso à autoridade (testemunhas instrumentais ou instrumentárias). Em seguida, ouve-se a vítima, se possível. Depois o preso é interrogado, tendo direito ao silêncio e à assistência de advogado e da família. O artigo 15 do CPP foi derrogado pelo novo Código Civil, portanto, não há mais necessidade de curador para o preso menor de 21 anos e maior de 18 anos. A lavratura propriamente dita ocorre após a oitiva dos condutores, testemunhas, vítimas e flagrado, tais depoimentos e interrogatório são parte integrante do auto de prisão em flagrante. Se o preso não quiser assinar o auto ou não puder fazê-lo, o auto será assinado por duas testemunhas instrumentárias, que tenham ouvido a leitura do auto. A autoridade policial também assina o auto.
o) Não é admissível a prisão por delegação, isto é, o ato da pessoa que deu voz de prisão em flagrante transferir a terceiro, que não tenha auxiliado no ato da prisão, a tarefa de apresentar o preso à autoridade policial.
p) Após a lavratura do auto de prisão em flagrante, a autoridade policial deve encaminhar o auto de prisão em flagrante ao juiz competente. Controle da legalidade da prisão pelo juiz. Artigo 5º, inciso LXV da CF - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária. Havendo ilegalidade na autuação em flagrante (ausência de situação de flagrância, excesso de prazo para a lavratura etc.) a prisão deve ser relaxada pelo juiz, sem prejuízo do regular prosseguimento das investigações e do inquérito policial. Não confundir pedido de relaxamento de prisão com pedido de concessão de liberdade provisória.
q) Se o juiz averiguar que a prisão é legal, deverá homologar o auto de prisão em flagrante, e, segundo a doutrina e jurisprudência dominantes, este despacho do juiz não exige fundamentação, pois se cuida do mero exame de formalidades legais. Não há exigência legal da prévia vista dos autos ao MP, para que o juiz decida sobre a legalidade ou não da prisão. Na decisão que ordena o relaxamento da prisão, por ilegalidade, o juiz deve fundamentar.
r) Nota de culpa=dentro de vinte e quatro horas depois da prisão, será dada ao preso nota de culpa assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas. A finalidade é a de comunicar ao preso o motivo da prisão, bem como a identidade de quem o prendeu, num breve relato do fato criminoso que lhe é imputado
s) Autonomia do flagrante em relação à manutenção da custódia cautelar. Há dois entendimentos sobre o tema: 1) a prisão em flagrante é subcautelar, apenas subsistindo até sua homologação pelo juízo criminal. Segundo esta corrente após o juiz ser comunicado não é mais possível a manutenção da prisão somente a título de flagrante, o juiz deve decretar a prisão preventiva, se estiver presentes os requisitos para sua decretação.
2) a prisão em flagrante é modalidade autônoma de custódia provisória, sendo capaz de justificar, por si só, a manutenção do indivíduo sob cárcere independentemente de sua conversão em prisão preventiva no momento subseqüente à homologação do respectivo auto.
t) O juiz não deve se limitar a verificar a legalidade/ilegalidade da prisão em flagrante, mas sim, após ouvir o MP, verificar se é possível a concessão de liberdade provisória.
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