1) TEORIA GERAL DOS RECURSOS E RECURSOS EM ESPÉCIE.
a) Justiça versus certeza. Quando o tema é recurso, dois princípios devem ser conciliados. O princípio da justiça, segundo o qual quanto mais se examinar uma decisão, mais será possível a perfeita distribuição da justiça; e o principio da certeza jurídica, que impõe a brevidade do processo, a exigir que a decisão seja proferida de uma vez por todas, sem procrastinações inúteis, no menor tempo possível. Há que existir um ponto de equilíbrio, garantindo o duplo grau de jurisdição, sem deixar infinitamente aberta a possibilidade de reexame das decisões.
b) Duplo grau de jurisdição. A Constituição Federal ao organizar o Poder Judiciário em instâncias de diferentes categorias e permitir que instâncias superiores revejam as decisões das inferiores, instituiu o princípio do duplo grau de jurisdição. O artigo 8, n. 2-h da Convenção Americana dos Direitos Humanos dispõe como uma das garantias judiciais mínimas: o direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.
Fundamentos jurídicos: natural inconformismo do vencido. Falibilidade humana.
Fundamento político: controle. Nenhum ato estatal pode escapar do controle. Aqui se trata de controle interno.
Argumentos contrários ao duplo grau de jurisdição: nada garante que a decisão do tribunal seja melhor do que a do juiz de primeiro grau, até porque este teve contato direto com as partes e com as provas.
c) Conceito de recurso: meio voluntário de impugnação de decisões, utilizado antes da preclusão e na mesma relação jurídica processual, apto a propiciar a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão. Órgão a quo: do qual se recorre. Órgão ad quem: para o qual se recorre. Partes: recorrente e recorrido. Verbos utilizados: interpor, manejar.
d) Natureza jurídica do recurso: meio impugnativo da decisão judicial que é aspecto, elemento ou modalidade do próprio direito de ação e de defesa.
e) Classificações dos recursos. e1) Quanto à obrigatoriedade: a) recurso voluntário. Condiciona-se unicamente à vontade da parte, que pode provocar o reexame da decisão, caso contrário haverá preclusão. b) recurso de ofício. São situações de reexame necessário, a lei obriga à revisão da decisão judicial por órgão superior, como condição para o trânsito em julgado. e2) Quanto às fontes informativas: a) recursos constitucionais. São aqueles que têm suas hipóteses de cabimento previstas na Constituição Federal, isto é, o recurso extraordinário (artigo 102, inciso III, CF), o recurso especial (artigo 102, inciso II, CF) e o recurso ordinário (artigo 102, inciso II, e artigo 105, inciso II, ambos da CF). b) recursos legais. São aqueles previstos no CPP e na legislação processual especial (apelação, recurso em sentido estrito, embargos infringentes, carta testemunhável etc.). e3) Quanto aos pressupostos de admissão: a) recursos genéricos. Baseiam-se no mero inconformismo da parte, não exigindo requisitos específicos para o seu cabimento. Exemplo: apelação da sentença condenatória. b) recursos específicos. Possuem requisitos próprios para sua interposição, além dos pressupostos normais atinentes a qualquer recurso. Exemplo: recurso extraordinário, que exige o prequestionamento e a demonstração da repercussão geral da matéria constitucional nele versada. e4) Quanto à motivação: a) recursos ordinários. São recursos que aceitam qualquer espécie de argumentação, podendo tanto ser discutidas questões de fato, quanto questões de direito. b) recursos extraordinários. Há limitações quanto à argumentação que será utilizada pelo recorrente, sob pena de não conhecimento ou não admissão do recurso. Exemplo: os recursos especial e extraordinário não comportam exame de questão de fato, só de direito. Súmula 7 do STJ=a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Súmula 279 do STF=para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.
e) Princípios gerais dos recursos. f1) taxatividade: os recursos dependem de previsão legal, portanto o rol é taxativo; f2) unirecorribilidade: cada decisão corresponde a um único recurso; f3) variabilidade: proibição de interposição de recurso, substituindo a outro, já interposto; f4) complementaridade: o recorrente pode complementar a fundamentação de seu recurso, se houver integração ou complementação da decisão, em virtude do acolhimento de embargos de declaração; f5) fungibilidade: o recurso erroneamente interposto pode ser conhecido pelo outro, desde que não haja má-fé. Artigo 579 do CPP. Má-fé: só se admite o aproveitamento do recurso impróprio se interposto no prazo do recurso cabível; f6) dialeticidade: o recorrente deve declinar os motivos pelos quais pede o reexame da decisão, somente assim a parte contrária poderá apresentar suas contra-razões, formando-se o contraditório em matéria recursal; f7) disponibilidade: a interposição do recurso é voluntária. A renúncia e a desistência têm efeitos preclusivos. O MP não pode desistir do recurso interposto. Artigo 576 do CPP; f8) irrecorribilidade das interlocutórias: as decisões proferidas no curso do processo, em regra, são irrecorríveis, com as exceções previstas no artigo 581 do CPP e legislação especial; f9) Personalidade: o recurso só pode beneficiar à parte que recorreu; quem não recorreu não pode ter a situação agravada, se não houve recurso da parte contrária.
f) Juízo de admissibilidade dos recursos (juízo de prelibação). Aferir se estão satisfeitos os requisitos prévios necessários à apreciação do conteúdo da postulação. Juízo positivo de admissibilidade=conhece do recurso. Juízo negativo de admissibilidade=não conhece do recurso. A admissibilidade é necessariamente preliminar ao mérito. Só se passa ao juízo de mérito se o juízo de admissibilidade for positivo.
Juízo de mérito. Exame dos fundamentos da postulação para acolhê-la ou rejeitá-la, de competência exclusiva do órgão ad quem. Se o recurso for fundado o órgão ad quem lhe dá provimento; se for infundado lhe nega provimento. Se o órgão ad quem dá provimento ao recurso há duas hipóteses: reforma a decisão, quando reconhece o error in judicando (a decisão recorrida não aplicou corretamente o direito material); anula a decisão, no caso de error in procedendo (a decisão recorrida não apreciou corretamente questões processuais). Na reforma, a decisão do órgão ad quem substitui a decisão recorrida. Na anulação, a decisão recorrida é cassada para que o órgão a quo profira uma nova. A distinção entre conhecimento e provimento do recurso é importante, pois se o recurso não é conhecido, estabiliza-se a decisão do órgão a quo, mas se o recurso é conhecido, ainda que improvido pelo mérito, a decisão do órgão ad quem sempre substitui a decisão impugnada. Competência para habeas corpus e revisão criminal.
Duplo controle de admissibilidade do recurso: há um primeiro juízo de admissibilidade do próprio órgão judicial perante o qual se interpõe o recurso (órgão a quo) e um segundo do órgão ad quem (tribunal). Isso significa que ainda que o juiz de primeiro grau admita o recurso, o tribunal pode não admiti-lo, por entender como não presente algum ou alguns de seus requisitos. Exceções: os recursos que admitem o controle apenas em um grau de jurisdição=carta testemunhável, somente o tribunal; embargos de declaração=somente pelo órgão prolator da decisão.
Natureza do juízo de admissibilidade: seja positivo, seja negativo, é declaratória: apenas reconhece a existência ou inexistência dos requisitos de admissibilidade anteriores ao próprio juízo de admissibilidade.
Efeito geral do juízo de admissibilidade: permitir, se positivo, a passagem para o julgamento do mérito; impedi-la, se negativo.
g) Requisitos de admissibilidade dos recursos (pressupostos recursais). Apenas quando presentes todos os requisitos objetivos e subjetivos é que o recurso interposto tem possibilidade de ser recebido e conhecido.
h) Requisitos objetivos:
h1) cabimento: envolve a conjugação de dois fatores, a recorribilidade e a adequação. A recorribilidade significa que a decisão deve estar sujeita a recurso. Exemplos de decisões irrecorríveis: denegação da suspensão do processo em razão de questão prejudicial (artigo 93, § 2º, CPP); admissão ou inadmissão de assistente de acusação (artigo 273, CPP); improcedência das exceções de incompetência, litispendência, coisa julgada e ilegitimidade de parte (artigo 581, inciso III, CPP); decisão na exceção de suspeição de perito ou serventuário da justiça (artigo 105, CPP); reconhecimento da inexistência de repercussão geral no recurso extraordinário (artigo 326 do RISTF). As decisões irrecorríveis são exceções e nada impede que sejam impugnadas por habeas corpus ou mandado de segurança, em caso de grave ônus causado à parte pela decisão judicial. A adequação traduz-se na necessidade do recorrente utilizar a via impugnativa correta para atacar a decisão, dentre aquelas previstas na lei. Não é um requisito inflexível, porque há o princípio da fungibilidade, que possibilita o manejo do recurso errado como se fosse o recurso certo. Condições para a aplicação da fungibilidade: a) inexistência de má-fé do recorrente. O recorrente não pode querer obter alguma vantagem processual com a interposição do recurso errado. A má-fé é presumida de forma absoluta em dois casos: 1) não for observado o prazo previsto em lei para o recurso adequado. 2) o erro na interposição do recurso for considerado grosseiro. Deve existir alguma divergência sobre o recurso cabível. b) adequação do recurso equivocadamente interposto ao procedimento do recurso correto.
h2) tempestividade: para ser conhecido o recurso deve ser interposto no prazo legal. Cada recurso tem seu próprio prazo previsto em lei. Artigo 798, § 5º do CPP. O prazo se conta da intimação. Súmula 320 do STF=a apelação despachada pelo juiz no prazo legal não fica prejudicada pela demora da juntada, por culpa do cartório;
h3) regularidade procedimental ou formal (forma): o recurso deve ser interposto segundo a forma legal, por petição ou termo nos autos. Artigo 578, CPP. Também pode ser interposto por fax. Lei 9.800/99. Pode ser interposto por meio eletrônico, onde já funcione o processo eletrônico. Lei 11.419/2006.
Importante: há que se considerar a existência de dois prazos distintos. Primeiro, há o prazo para interpor o recurso. Depois há um prazo para apresentar as razões do recurso. Ambos os prazos não podem ser somados para fins de verificação da tempestividade da interposição. Apesar do CPP prever que o recurso pode subir com razões ou sem elas (artigos 589 e 601), há quem entenda serem imprescindíveis as razões. O STJ entende que se o defensor do réu não apresentou razões, o réu deve ser intimado para constituir novo defensor, e, não o fazendo, o juiz pode nomear advogado para apresentá-las. O STF entende que o tribunal pode julgar o recurso mesmo sem as razões da defesa, pois o recurso do réu devolve toda a matéria discutida nos autos. A intempestividade das razões é mera irregularidade.
h4) inexistência de fato impeditivo ou extintivo:
Fatos impeditivos – renúncia: manifestação de vontade expressa de não recorrer. Não há previsão de renúncia recursal tácita no processo penal brasileiro (prática de ato incompatível com a vontade de recorrer). Somente a defesa pode renunciar ao direito de recorrer. O MP não pode renunciar, devido ao princípio da indisponibilidade da ação penal pública, mas pode deixar de recorrer, não exercendo o direito ao recurso no prazo legal. Uma vez homologada a renúncia pelo juiz, ocorre a antecipação do trânsito em julgado da decisão judicial. A renúncia é irretratável, sendo causa de preclusão consumativa.
Não-recolhimento à prisão nos casos em que a lei a exige. Atualmente, não é mais considerado fato impeditivo do direito de recorrer. Súmula n. 347 do STJ: O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão.
Fatos extintivos – desistência: manifestação de vontade de retirar o recurso já interposto. O MP não pode desistir de seu recurso (artigo 576 do CPP). Somente a defesa pode desistir do recurso. O juiz deve homologar a desistência. A desistência é retratável dentro do prazo recursal.
Deserção: deserção por fuga. O recorrente foge da prisão depois de interposto o recurso, nos casos em que se exige a prisão para recorrer. A fuga, atualmente, não mais tem por conseqüência a deserção. O STF decidiu que o artigo 595 do CPP não foi recepcionado pela CF, pois viola o princípio do duplo grau de jurisdição. A Lei 11.719/2008 revogou tacitamente o artigo 595 do CPP, ao incluir o parágrafo único no artigo 387, estabelecendo que o conhecimento do recurso independe da decretação de prisão do réu. O mesmo entendimento se aplica ao artigo 585, CPP.
Deserção por falta de preparo: o preparo se constitui no pagamento antecipado das custas processuais devidas pelo processamento do recurso. A falta de pagamento do preparo nos recursos relativos aos crimes de ação pública privada é fato extintivo do direito de recorrer. Artigo 806, § 2º, CPP. Não há exigência de preparo nas ações penais públicas.
Requisitos subjetivos:
h5) interesse em recorrer: possibilidade de se conseguir situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, por intermédio do direito de recorrer. Artigo 577, parágrafo único, CPP. Sucumbência: gravame, prejuízo. Disparidade entre o que foi postulado pela parte e o que foi deferido pelo juiz. O MP pode recorrer em favor do réu, pois seu interesse na defesa da ordem jurídica (função institucional assegurada constitucionalmente) compreende a justiça das decisões judiciais.
Aspectos pontuais: 1) interesse do réu de recorrer de sentença absolutória. Pode ocorrer em duas situações: a) quando pretender modificar o fundamento da absolvição com o objetivo de afastar eventual responsabilidade civil; b) quando tiver sido o réu absolvido impropriamente, com imposição de medida de segurança. 2) Interesse do assistente de acusação em recorrer para aumentar a pena do réu em caso de sentença condenatória. A maioria da jurisprudência entende que ele tem este interesse, que não é unicamente de buscar uma indenização. 3) Interesse do MP em recorrer da sentença absolutória proferida em ação penal exclusivamente privada quando o querelante não recorre. O MP não tem interesse, porque vige o princípio da disponibilidade. 4) Interesse do MP em recorrer da sentença absolutória quando, em debates orais, memórias ou alegações escritas, o próprio MP requereu a absolvição. Há duas posições: a primeira, minoritária, no sentido de que o MP é regido pelo princípio da unidade, portanto, não há interesse se o MP já pediu a absolvição e conseguiu-a; a segunda, majoritária, no sentido de que os membros do MP possuem independência funcional, sendo possível que um promotor de justiça, discordando do pedido de absolvição formulado por seu antecessor, recorra da sentença absolutória, buscando a condenação.
h6) legitimação ao recurso: Partes: Ministério Público, querelante, réu ou seu procurador ou defensor. Artigo 577 do CPP. Legitimação autônoma e concorrente (disjuntiva) do réu e seu defensor. Conflito entre ambos. O STJ entende que havendo divergência entre o réu e o defensor quanto à eventual interposição de recurso, deve prevalecer o entendimento da defesa técnica. Súmula 705 do STF=a renúncia ou a desistência do réu ao direito de recurso, manifestada sem a assistência de defensor, não impede o conhecimento do recurso por este interposto. A faculdade outorgada ao réu de, pessoalmente, interpor recursos é restrita à manifestação de vontade em recorrer, aplicável apenas aos casos em que a lei permite a apresentação de razões em momento posterior à interposição. O poder de arrazoar recursos é privativo do advogado, que tem capacidade postulatória. Legitimação do ofendido ou sucessores. Artigos 584, § 1º e 598 do CPP. O assistente de acusação tem legitimação recursal restrita. Somente pode recorrer nos casos expressamente previstos em lei, quais sejam: a) apelar da sentença; b) apelar da impronúncia; c) recorrer em sentido estrito da decisão que julgar extinta a punibilidade; d) recurso especial e recurso extraordinário, nos casos em que poderia recorrer das decisões do juiz singular. Súmula 210, STF. Por decorrência lógica, também pode recorrer caso algum de seus recursos não seja recebido. A legitimação do assistente é subsidiária ou supletiva, pois fica ela condicionada a que não tenha o MP recorrido da respectiva decisão. Se o recurso do MP for parcial, o assistente pode recorrer da parte não abrangida pelo recurso do MP. Ainda que o recurso do MP abranja toda a decisão recorrida, o assistente não pode interpor recurso, mas pode arrazoar o recurso. Artigo 217, CPP. Nos casos em que pode fazê-lo, o assistente não precisa estar habilitado nos autos para recorrer. O prazo para o assistente não habilitado nos autos interpor o recurso é de 15 dias, contados da data em que terminado o prazo do MP. O prazo para o assistente habilitado nos autos é o mesmo do MP, mas só começa correr após o prazo do MP. Legitimados do artigo 80 do CDC. Legitimados nas medidas assecuratórias: a) lesado; b) terceiro de boa-fé.
i) Efeitos.
Devolutivo. É comum a todos os recursos, pois há a transferência para a instância superior do conhecimento de determinada questão. Se devolve ao órgão jurisdicional superior o reexame da matéria objeto da decisão. A extensão do efeito devolutivo varia dependendo de quem seja o recorrente: 1) recurso da acusação: a) recurso visando agravar a situação do réu=o efeito devolutivo é bastante limitado, pois o tribunal não pode reconhecer contra o réu, mais do que estiver expresso no recurso da acusação. Exemplo: Súmula 160, STF. É nulo o acórdão que reconhece contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação. O réu foi absolvido, mas durante o processo houve uma nulidade. O MP não alegou a nulidade no seu recurso. O tribunal não pode reconhecer a nulidade; b) reformatio in mellius=o STJ tem entendido que o tribunal, julgando recurso da acusação para agravar a situação do réu, pode atenuar a pena, desclassificar a infração penal para uma menos grave ou absolver o réu, diante da não existência de vedação legal. 2) recurso da defesa: a) recurso visando à absolvição, à redução de pena ou à anulação do processo=o efeito devolutivo é pleno, integral. Exceção: Súmula 713, STF. O efeito devolutivo da apelação contra decisões do júri é adstrito aos fundamentos da sua interposição; b) reformatio in pejus=consiste na possibilidade de agravar a situação jurídica do réu em face de recurso interposto exclusivamente pela defesa. 1) reformatio in pejus direta=o agravamento da situação do réu pelo tribunal em recurso exclusivo da defesa é proibido. Artigo 617, CPP. Exemplo: o réu foi condenado pelo juiz a uma pena de oito anos de reclusão e a defesa recorreu para que ele fosse absolvido ou que se reduzisse a pena. O MP não recorreu. O tribunal rechaça o recurso do defesa e aumenta a pena para dez anos de reclusão. O julgamento é nulo, pois se trata de reformatio in pejus direta, proibida pelo CPP. 2) reformatio in pejus indireta=ocorre, quando, anulada a sentença por força de recurso exclusivo da defesa, outra vem a ser prolatada, agora impondo pena mais grave, regime de pena mais rigoroso, condenando por crime mais grave ou qualquer outra circunstância que a torne mais gravosa ao réu. Também é proibida. Exemplo: o réu, condenado a oito anos de reclusão, recorre invocando nulidade do processo. O MP não apelou para aumentar a pena. Se o tribunal acolher o recurso da defesa e anular o processo, não poderá a nova sentença agravar a situação do réu constante da sentença anulada. Exceções: a) julgamento pelo Júri: o STJ tem entendido que a proibição da reformatio in pejus indireta não tem aplicação nos julgamentos realizados pelo Tribunal do Júri, em face do princípio constitucional da soberania dos veredictos. Exemplo: anulado o julgamento feito pelo Júri em face de recurso exclusivo da defesa, no novo julgamento pode ser levando em consideração pelos jurados qualificadoras não aceitas no primeiro júri, nada impedindo que o juiz fixe pena superior à aplicada quando do primeiro julgamento; b) Incompetência absoluta do juízo: o STJ por muito tempo entendeu que a nulidade por incompetência absoluta do juízo era uma exceção admissível de reformatio in pejus indireta, pois a pena fixada por juízo absolutamente incompetente não poderia limitar a jurisdição do juiz competente, todavia em 2009 iniciou-se uma modificação de entendimento naquele tribunal, tendo decidido que “não há como o Juiz competente impor ao réu uma nova sentença mais gravosa do que a anteriormente anulada, sob pena de reformatio in pejus indireta” (STJ, RHC 20.337/PB, DJ 20.05.2009).
Suspensivo. Em determinadas situações, a interposição do recurso suspende a execução da decisão atacada. Diz-se, nestes casos, que o recurso possui efeito suspensivo. Assim, o recurso funciona como condição suspensiva de eficácia da decisão, que não pode ser executada até que ocorra o seu julgamento. A lei deve prever expressamente tal efeito, no silêncio, o recurso não impede a eficácia da decisão recorrida. Exemplos de recursos que possuem efeito suspensivo: a) recurso em sentido estrito da decisão que julgar perdido o valor da fiança e daquela que denegar a apelação ou julgá-la deserta (artigo 584, caput, CPP); b) o recurso em sentido estrito contra a decisão de pronúncia suspenderá o julgamento pelo júri (artigo 584, § 2º,
CPP); c) o recurso em sentido estrito contra a decisão que julgar quebrado o valor da fiança suspenderá a perda da metade de seu valor (artigo 584, § 3º, CPP), mas não suspende a prisão que decorrer do quebramento; d) apelação da sentença condenatória (artigo 597, CPP). Exemplos de recursos que não possuem efeito suspensivo: a) hipóteses de recurso em sentido estrito não elencadas no artigo 584 e parágrafos, CPP; b) apelação da sentença absolutória (artigo 596, CPP); c) agravo em execução (artigo 197 da Lei 7.210/84); d) recursos especial e extraordinário (artigo 27, § 2º, Lei 8.038/90).
Importante: o STF e o STJ coíbem a execução provisória da pena. “Ofende o princípio da não culpabilidade a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu, desde que presentes os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP” (STF, HC 84.078/MG, j. 05.02.2009; STJ HC 122.191/RJ, j. 14.04.2009).
Extensivo. Fundamento: princípio da isonomia. Artigo 580 do CPP. No caso de um mesmo crime praticado em concurso de agentes (co-autoria ou participação), a decisão favorável do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará os outros. A decisão em favor de um réu só poderá ser estendida a outro se forem idênticas as situações de ambos no mesmo processo. Exemplo: Paulo e Márcio foram condenados por crime de estelionato em concurso de agentes. Paulo foi o autor e Márcio foi um partícipe. Apenas Paulo recorreu e o tribunal o absolveu, sob o fundamento de que o fato é atípico, sendo mero ilícito civil. Cabe ao tribunal estender a decisão também para Márcio, que não recorreu. Se Paulo tivesse sido absolvido, pelo tribunal, pelo fundamento da insuficiência de provas, não haveria extensão dos efeitos da decisão, pois se trata de circunstância de caráter pessoal.
Regressivo (iterativo ou diferido). É aquele que permite ao prolator da decisão impugnada dela retratar-se antes do encaminhamento do recurso ao juízo ad quem. Possuem este efeito: a) o recurso em sentido estrito (artigo 589 do CPP); b) a carta testemunhável (artigo 643, CPP); c) o agravo em execução; d) o agravo de instrumento criminal (artigo 28 da Lei 8.038/90), cabível em relação à decisão do Presidente do tribunal recorrido que não admitir os recursos especial e extraordinário; e) o agravo interno (artigo 28, § 5º, da Lei 8.038/90), utilizável em relação à decisão do ministro relator (STF ou STJ) que não admitir ou improver o agravo de instrumento criminal; f) o recurso especial (artigo 543-C, § 7º, inciso II e § 8º, CPC) e o recurso extraordinário (artigo 543-B, § 3º, CPC), mas tão somente nas hipóteses de múltiplos recursos deduzidos no âmbito de vários processos distintos, todos em relação à mesma controvérsia.
Translativo. Possui este efeito o recurso que, uma vez interposto, confere ao tribunal o poder de decidir qualquer matéria, em favor ou contra qualquer das partes, sem estar atrelado à proibição da reformatio in pejus. Atualmente, o único recurso que ostenta este efeito e o recurso de ofício. Exemplo: o juiz absolve o réu acusado de crime contra a economia popular. O MP não recorre da decisão. Cuida-se de decisão sujeito ao recurso de ofício, então o processo é encaminhado ao tribunal para confirmação ou reforma da decisão. O tribunal pode condenar o réu, porque o recurso de ofício possui o efeito translativo, que devolve ao tribunal o poder de manifestar-se sobre qualquer matéria relativa aos autos, sem limitações.
j) Recurso de ofício. A regra geral é a de que os recursos são voluntários, constituem-se em ônus das partes, mas há exceções: recurso de ofício, recurso ex officio, recurso obrigatório, recurso necessário, reexame necessário, reexame obrigatório, recurso anômalo. Fundamento do recurso de ofício: presunção de prejuízo à sociedade gerada por determinadas decisões. Recurso interposto pelo próprio juiz. Importante: é possível que exista o recurso de ofício, conjuntamente com um recurso voluntário interposto pela parte. Hipóteses de recurso de ofício: artigo 574 do CPP; a) sentença concessiva de habeas corpus; b) absolvição sumária do artigo 415 do CPP; c) crimes contra a economia popular ou a saúde pública (artigo 7º da Lei n. 1.521/51), no caso de absolvição ou arquivamento do inquérito. No que se refere à saúde pública diz respeito somente aos crimes previstos no Código Penal, não havendo recurso de ofício de sentença proferida em crime de tráfico de drogas (Lei n. 11.343/2006), que está inteiramente regulado na lei especial; e) indeferimento in limine da revisão criminal (artigo 625, § 3º do CPP); f) decisão que concede a reabilitação (artigo 746 do CPP, que não foi revogado pela Lei n. 7.210/84 – Lei de Execução Penal-LEP); g) sentença que conceder a segurança (artigo 14, § 1º da Lei 12.016/2009).O recurso de ofício não precisa ser fundamentado pelo juiz e independe de arrazoado das partes. Não há prazo para a interposição, pois o tribunal pode dele tomar conhecimento em qualquer momento em que os autos cheguem ao tribunal, porque ele se considera interposto por força da lei. Súmula n. 423 do STF: não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso ex officio, que se considera interposto ex lege. Há quem entenda que o “recurso de ofício” não seja recurso, mas sim condição de eficácia da decisão, que só transita em julgado após “confirmada” em segundo grau de jurisdição. Há quem entenda, também, que os dispositivos que prevêem o recurso de ofício foram revogados, pois o ato de recorrer de ofício seria forma de iniciativa da ação penal, que é privativa do Ministério Público (artigo 129, inciso I, da CF).
k) Diferença entre recurso e ação autônoma de impugnação: no recurso ocorre um mero prosseguimento da relação processual já existente, já na ação de impugnação sempre se instaura uma nova relação processual.
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